Era assim que se falava antigamente, quando havia verdadeiro fascismo e real nazismo. Aqueles regimes e outros de direita ou mesmo ditaduras (como as de Salazar e Franco), tiveram alguns anos de vida coincidentes. Era o que se chamava, em certos círculos, a “maré negra”! Anos depois, derrotados os fascismos, cada vez que um partido de direita concorria ou ganhava eleições, era o fascismo revanchista! Quando vários partidos de direita ou de centro-direita governavam ao mesmo tempo, então tínhamos a designada “maré fascista”. Ou a mais poética “maré negra”. Durante décadas, cada vez que alguém, liberal, democrata ou social-democrata, aparecia em cena ou ganhava eleições, o epíteto de fascista estava logo ali. Quando vários países, ao mesmo tempo, eram governados por partidos de direita, rapidamente se concluía que havia uma conspiração, organizada pelas multinacionais capitalistas e dirigida contra os trabalhadores e os países socialistas. Era a “maré negra”. Para muitas esquerdas, para os comunistas, para revolucionários avulso e para muitos socialistas de combate, a Europa esteve praticamente nas mãos dos fascistas nos anos sessenta, setenta e oitenta. A partir de noventa, com a estrondosa queda do comunismo, da União Soviética e de quase todos os socialismos, o fascismo instalou-se na fortaleza, passou a governar a Europa, pôs em prática as suas políticas revanchistas de empobrecimento e de rearmamento. A “maré negra”, capitalista e reaccionária, está aí, veio para ficar. Esta é, em caricatura rigorosa, a visão dos comunistas portugueses e de muitas esquerdas europeias.
O problema é que agora há mesmo uma maré. Não é fascista. Mas é de direita. Por toda a Europa, partidos marcadamente à direita exibem real progresso nos seus resultados eleitorais. Alguns chegam ao governo. Nas eleições legislativas e nas presidenciais (onde as há), as direitas conseguem tornar-se partidos de poder ou oposição de peso. Na Europa, apenas em cinco ou seis países, entre os quais Portugal, as direitas e a extrema-direita não fazem parte dos governos, mesmo se já estão com força nos Parlamentos. Da Hungria à Polónia, da Itália a Áustria, da Suécia à Alemanha, assim como em quase todos os países do Báltico e dos Balcãs, os partidos de direita governam ou têm representações parlamentares importantes. Em quase todos os países europeus, as direitas dominam ou andam lá perto.
Era tão bom que os europeus, os democratas, os liberais, os democrata-cristãos, os socialistas, os conservadores e outros democratas e europeístas se dessem ao trabalho de se perguntar porquê! Por que razões, na maior parte dos países europeus, crescem as tendências nacionalistas, populistas, de direita radical, ultraliberais, antieuropeias, para já não falar de fascistas e integralistas? Por que progridem na difusão das suas ideias, reforçam as suas expectativas eleitorais, aproximam-se das áreas do poder, conseguem mesmo os sufrágios e a legitimidade para governar?
Era tão bom que os democratas, os centristas, os liberais, os sociais democratas e outros europeístas percebessem as suas responsabilidades nesse processo de ascensão das direitas antieuropeias, radicais ou não democráticas! Era bom, mas é provavelmente inútil ou tarde de mais.
Para as esquerdas e para os europeístas, a culpa é… da direita pois claro! Os perigos são fascistas. As ameaças são neoliberais e ultraliberais. Os riscos são populistas e nacionalistas. De quem é a responsabilidade? Da direita, evidentemente. Da extrema-direita, com certeza. Dos grupos económicos, dos ricos, do sistema capitalista e do capital financeiro. Dos nacionalistas, dos monárquicos, dos racistas, dos machistas e dos xenófobos. Todos capitalistas.
Nunca ocorre perguntar: e as responsabilidades das esquerdas? E dos democratas? E dos social-democratas? E das forças políticas europeias, cosmopolitas e integracionistas? Se procurarmos bem, rapidamente encontraremos múltiplos factores que estão na origem deste recrudescimento das direitas e dos nacionalismos.
A integração europeia foi longe de mais. Perdeu de vista as nações. Os eurocratas quiseram mesmo destruir o espírito de identidade nacional. Entendeu-se que o cosmopolitismo universal era a solução para a paz e a democracia. Os dirigentes convenceram-se de que a igualdade social, de direitos e de oportunidades, só eram possíveis sem nações, mas com regiões integradas numa espécie de continente europeu sem fronteiras.
Os europeus convenceram-se da sua própria ortodoxia integracionista e federal. Um Parlamento europeu, internacional, sem circunscrições reconhecidas e sem fidelidades nacionais tornou-se virtude. Órgãos dirigentes, sem reconhecimento nem proximidade cultural, sem lealdade nacional nem identidade, ficaram a tomar conta de uma Europa toda ela feita de diversidade, de contradições, de passado, de conflitos e de história.
Os europeus decidiram tudo comprar com subsídios e fundos, à espera de fazer leis federais. Não se importaram com a corrupção crescente. A bem de uma Europa fantasmagórica, cederam a empresas de salteadores e a mais que suspeitos capitais internacionais estranhos, aparentemente privados, frequentemente públicos, vindos de Estados totalitários asiáticos, africanos e russos. Cederam à Rússia nas matérias-primas e à China na indústria. Ficaram dependentes como nunca na história.
Os Europeus adoptaram o politicamente correcto, acreditaram num continente descarnado, sem história e sem identidade, tudo quiseram normalizar. Até para compensar as identidades europeias, aceitaram a imigração descontrolada. Promoveram o tráfico de mão-de-obra e o trabalho clandestino. Em nome do cosmopolitismo universalista, cederam culturalmente a valores não europeus, emergentes, tantas vezes marginais e antieuropeus. Convenceram-se de que tinham a obrigação de reescrever a história, de pedir desculpa aos povos de todos os continentes não europeus. Cederam cultura e carácter. Cederam história e princípios.
Não ocorre pensar que estes Europeus, mesmo democratas, partilham plenamente as responsabilidades pelo regresso das direitas? Que as suas criações, os Estados actuais e a União de que tanto se orgulham, se encontram no início da cadeia de responsabilidades pelas ameaças contra a Europa e a democracia? Se não perceberam o mal que fizeram à Europa e aos países europeus, então nunca conseguirão evitar os males que aí vêm, se avizinham ou nos ameaçam.
Público, 1.10.2022
2 comentários:
Onde se lê «europeus» deve ler-se na maior parte dos casos «as esquerdas».
A União Europeia começa pelo Mercado Comum; mas cedo menoriza essa missão - uniformizar impostos, códigos societários, de trabalho, e legislação correlata - para se empenhar a fundo na igualação de códigos morais, da identidade de género aos direitos LGBTetc, acrescida de multiculturalismos espúrios.
A toda a vasta gama do corretês esquerdalho vem acrescentar-se, espante-se, um suposto 'nacionalismo' anti-europeísta que dizem dever ser comummente aberto a não distinguir refugiados de emigrantes, nacionais de recém-chegados de não importa onde a falarem não importa que língua.
A Direita sobe e subirá na recusa desta tosca via de liquidar o europeísmo pelo seguidísmo de uma esquerda orfã do poder soviético e em busca de um qualquer poder a que se acolha e que acredita vir a nascer da degenerescência que promove da sociedade capitalista e da cultura Ocidental que a sustenta.
Já na america central e sul, assistimos a uma maré esquerdista reforçada com a provável eleição de Lula. Seria interessante uma análise à situação americana e ao perigo da uniformidade das politicas do forum de São Paulo espalhadas sem oposição no continente.
Enviar um comentário