A venda, ao Estado chinês, dos
interesses da Gulbenkian no petróleo veio despertar fantasmas e levantar
problemas interessantes. A decisão da Gulbenkian pode evidentemente
justificar-se do ponto de vista da sua economia, das suas finanças a longo
prazo e do seu equilíbrio futuro. A Gulbenkian não é uma empresa pública e daí
se devem retirar conclusões rigorosas. A Gulbenkian não tem de se substituir ao
Estado, nem ao capitalismo caseiro. Os critérios de uma empresa ou de uma
fundação não são os mesmos que os de um país.
A questão sobra para Portugal e
para os Portugueses. Nem Estado ou empresa se mostraram interessados. O petróleo
não é o que era, rende pouco, é poluente e não é uma energia de futuro. O gás substitui
o petróleo com vantagem. O gás e o óleo de xistos, sobretudo americanos,
alteraram o mercado. Dito isto, Portugal perdeu definitivamente a oportunidade
que tinha de ficar ligado a uma empresa energética, que, devidamente gerida e
projectada, poderia manter uma área de interesses globais para Portugal. Uma
pequena posição, mas uma posição.
Portugal perdeu de facto uma
oportunidade. Não se aceita, mas percebe-se que o governo não tenha querido
aproveitar: tem outras prioridades, não tem dinheiro, não sabe se a União
Europeia deixa, já está a gastar de mais com bancos falidos, não tem recursos
para a dívida, prefere distribuir e reforçar o Estado social… Em poucas
palavras: o Estado não tem recursos. Nem sequer para ficar com uma empresa a preços
relativamente acessíveis. Como já não teve para tantas outras.
Que também não tenha havido
interesses privados que se adiantassem parece estranho, mas, bem vistas as
coisas, não é. Na verdade, com excepção de dois grupos ligados ao retalho, já
não há capital português a sério, já não há grandes empresas ou grupos com
recursos e boa gestão. As que conhecemos e estão por aí encontram-se numa de
várias situações: são estrangeiras, preparam-se para ir embora, dependem de
grupos internacionais, estão falidas, são mal geridas, não têm ambição ou não
têm recursos. É conveniente ser realista: quase não há capital português e o
que existe está desinteressado em projectos de grande alcance, muito menos
estratégicos e a longo prazo. Quase não há capitalistas portugueses. Quase não
há empresas portuguesas com nervo e músculo.
Convém aliás recordar que, em
muito pouco tempo, Portugal se viu desprovido de autonomia, mesmo relativa, nas
áreas das comunicações, dos telefones, dos petróleos, da distribuição de
energia, da produção de electricidade, das celuloses, dos cimentos, do papel,
da reparação naval, da banca e dos seguros, sendo que a comunicação social já vai
a caminho.
Esta situação cria problemas
muito interessantes aos Portugueses, ao Governo e aos empresários. Que fazer
com esta dependência? Se a esta dependência se acrescentar a outra, tão ou mais
grave, do endividamento, ficamos em situação muito pouco confortável.
Sendo as coisas o que são, como
agir? Que fazer? Gerir e diversificar as dependências? Oferecer condições
excepcionais a quem quiser vir para Portugal? Conceder vantagens extravagantes
a quem regresse a Portugal e traga capitais entretanto fugidos? Deixar-se
governar e acomodar-se o melhor possível? Aceitar quem queira tomar conta e
cuide do Estado social e de algum respeito pelos cidadãos?
As hipóteses não são muito boas.
As alternativas são poucas. Mas é melhor irmo-nos habituando e não nos
contentarmos com idiotias inúteis como cantar a glória do investimento público
ou da criação de riqueza que permita restaurar um qualquer capitalismo com um
importante contributo português.
A pertença à União Europeia tem uma
vantagem: disfarça a ausência de capital e de capitalistas, assim como a
bancarrota e o endividamento total. Sem a UE a tomar conta, teremos as aventuras
revolucionárias e solitárias de que os românticos, os déspotas e os
adolescentes tanto gostam.
DN, 4 de
Março de 2018
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