domingo, 9 de julho de 2017

Sem emenda - Deriva

Por António Barreto
Os momentos de crise têm como efeito revelar o melhor e o pior de cada um. Passada a crise, surge a oportunidade para corrigir, mas também a de deixar tudo na mesma. A questão geral da segurança dos cidadãos, com duas crises quase coincidentes, a dos fogos de floresta e a do roubo de material de guerra, oferece-nos esta possibilidade de ver como se comportam as pessoas, responsáveis, executantes e observadores. Tal como nos proporciona o ensejo de verificar se há justiça e se existe capacidade para investigar e reformar.

Em Tancos, não se sabe quem, como, quando, quantas vezes, nem para onde… É o que é preciso apurar. Mas sabe-se quem deixou, não devia ter deixado, devia estar atento e devia prevenir e evitar: militares de serviço, chefes militares e responsáveis políticos. Quem, em concreto: é também o que é preciso identificar. Pedrógão: o paralelo com Tancos parece forçado, mas não é. Falta de coordenação. Descuido. Prevenção deficiente. E as questões financeiras, administrativas e jurídicas a pesarem mais do que a segurança e a vida das pessoas.

A seriedade das crises começou por ser esbatida. Só lentamente, com o número de mortos e o receio da opinião pública, as autoridades admitiram a gravidade. Mas a desvalorização manteve-se. O uso das emoções foi um medíocre substituto do empenho. A dissolução de responsabilidades foi, desde o início, atitude visível. As hábeis perguntas públicas do Primeiro-ministro, dirigidas aos seus serviços, destinavam-se a revelar a sua distância e definir a tentativa de atribuir as responsabilidades a quem está por baixo. A ausência do Primeiro-ministro em férias foi um momento alto de mau governo. Quis mostrar, contra a evidência, que nada de especial se passava.

O governo e a actual aliança parlamentar maioritária querem zelar pelo que corre bem e distribuir o que existe. Mas não deram provas de saber reagir a crises surpreendentes. Nestas últimas, não havia nada de bom a tomar conta ou a distribuir. Havia perda, medo e morte. Perante isso, o governo seguiu pelos maus caminhos da dissolução de responsabilidades.

É possível que possam vir a ser identificados os que, por incompetência ou malícia, conduziram a esta situação. Como pode acontecer que haja inexperiência negligente a merecer reparo. Em qualquer caso, com ou sem responsabilidade ministerial, espera-se que tudo seja apurado e que haja castigo. Mas não com displicência. Nem covardia. Nem falta de sentido de responsabilidade. Só com provas robustas podem os governantes pôr em causa militares, bombeiros, técnicos, polícias e guardas. E só com certezas se pode identificar a incompetência governamental e a negligência política. Tudo leva a crer que haja falhas nos dois planos, o dos serviços e o dos políticos.

Os militares não merecem tratamento de excepção. São pessoas, cidadãos e profissionais como tantos outros. Mas merecem atenção especial, porque não são como os outros. Tal como os guardas, os polícias e os bombeiros, a quem se pede um grau de disponibilidade que envolve perigo de vida, os militares merecem essa consideração. Além disso, são grupos profissionais a quem foram justamente cerceados direitos fundamentais, como a liberdade de expressão e os direitos de associação política e foram imputados deveres de obediência e recato que outros não têm. Tudo isto fundamenta um tratamento especial que os políticos têm a obrigação de respeitar. Ora, o actual governo e a actual aliança parlamentar não sabem exercer essa sua responsabilidade moral e política, não sabem tratar os militares como deve ser.
O actual poder político tem pena dos mortos, mas oscila entre o desprezo e a submissão. Desprezo por quem corre perigo de vida. E submissão perante quem tem dinheiro ou votos…

DN, 9 de Julho de 2017

3 comentários:

Unknown disse...

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best regard, zb

Unknown disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
bea disse...

Não se pode andar a brincar ou a menosprezar a vida das pessoas e a sua segurança. Espero que desta vez se apurem responsabilidades com brevidade. Quanto às férias de Costa, foram quatro dias, e não me parece motivo para tanto alarme, não sei mesmo se admitir uma crise melhora alguma coisa além dos comentários de alguns media. Motivo para alarme é não serem apuradas responsabilidades ou faltar coragem para tomar medidas consentâneas. A ver vamos que, pelo andar da carruagem se verá quem vai dentro.