domingo, 20 de junho de 2010

O Cicerone de almas

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FEZ-NOS REGULARMENTE COMPANHIA durante décadas. Nos jornais, na televisão, nos cinemas... No espaço público. Aparecia sempre que se previa, mas surgia onde não era esperado. Levou muita gente pela mão. Na religião ou na política. Na pintura e no cinema. Nos livros e na música. Finalmente, nas cidades portuguesas. Mostrou-nos a sua vida, os filmes, os livros, os quadros e as cantatas da sua vida. Da sua e de outras vidas.

Uma expressão que ele utilizou uma vez, num seu texto, resume bem um programa, o seu, e uma vida, a sua: “Dar a ver...”. Parece que não fez outra coisa. Deu a ver ideias e formas, coisas e almas. Mas também caminhos, ora sensatos, ora irreverentes e inconformistas. Foi o que ele fez na política e no pensamento, nas artes e nas letras, no cinema e na música, entre amigos ou com os seus leitores.

Nos cineclubes, com jovens estudantes, a quem mostrava aquela que viria a ser uma das suas grandes artes. Na JUC (Juventude Universitária Católica) e no “Encontro”, onde procurou Deus e os homens e onde também teve desencontros. No “Tempo e o Modo”, no “Independente” e no “Público”, além de outros jornais, manteve colunas que rapidamente criavam fiéis encantados com a sua versatilidade, a sua cultura e a maneira como levava os seus leitores, quase de braço dado, a visitar Itália, a ouvir Bach ou a rever John Ford.

Durante anos, primeiro na Gulbenkian, depois na Cinemateca, deu a ver milhares de filmes e centenas de cineastas, oferecia aos cinéfilos umas “folhas de sala” inesquecíveis, onde, além da ficha técnica, deambulava pela arte e pela ficção, divagava sobre o belo ou o cruel, sobre as mulheres ou a aventura.

Trazia consigo a Itália toda, da mitologia ao Renascimento, da ópera ao cinema, para que sempre soube chamar os interessados. Conheço pessoas que visitaram igrejas, viram quadros e filmes, passearam por praças e ouviram música por causa do João, depois de terem lido mais uma crónica sua.

Dedicou-se à política, sobretudo antes do 25 de Abril, pela liberdade. Talvez isso explique a previsão que alguém fez um dia: quando vivermos em democracia, o João Bénard deixará de se ocupar de política. Antes disso, lutou pela democracia, contra a guerra, por una Igreja diferente e pela cultura.
Com a sua geração de estudantes e católicos, percorreu o caminho que levou tantos à democracia e à irreverência. Ficou-lhe desse tempo um especial jeito para combinar o moderno com o clássico, o razoável com a rebeldia.

Na política, andou com muitos, com todos os que queriam a democracia, mas talvez tenha sido mais socialista do que outra coisa. Sobra dos seus episódios políticos a percepção clara de um homem independente.

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Este volume inclui os discursos de João Bénard da Costa, Presidente da Comissão das Comemorações do Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas. Ele exerceu esse cargo durante dez anos. Morreu o ano passado e ainda hoje nos faz falta.

Nestas suas funções, celebrou o Porto, Beja, Setúbal, Aveiro, Viseu, Angra do Heroísmo, Bragança, Guimarães e Viana do Castelo... Em cada cidade encontrou a palavra justa, a evocação histórica, a história local e a personalidade ou a personagem adequada a recordar. Fê-lo sempre com excepcional graça e com a muita cultura que tinha, sem nunca recorrer ao lugar-comum, um dos seus mais odiados inimigos e um dos piores hábitos das cerimónias oficiais. E ainda encontrou tempo e oportunidade para prestar homenagem a amigos seus. Festejou Sophia e Eugénio de Andrade, Jorge de Sena e Agustina, Júlio Dinis e Camilo, sem esquecer Bocage, Camões e Pessoa. E não lhe foi necessário um grande esforço para, nesta volta às capitais de distrito, referir Buñuel e El Greco...

Nos seus discursos, agora reunidos, cantou a divisão e a unidade. Qualificando-as. A divisão de opiniões (“Divididos - bendito seja Deus! - por diversas opções religiosas, ideológicas e políticas”) e a unidade de cidadãos (“...é bom que haja adversários. Mas não há inimigos”.).

Criou uma fórmula feliz com que terminava os seus discursos: “Senhor Presidente da República: muito obrigado por me ter dado a palavra. Minhas Senhoras e Meus Senhores: muito obrigado por me terem escutado”. Tenho saudades de o ouvir dizer isto mesmo.

3 comentários:

Bartolomeu disse...

O ano de 2005, no seu dia 10 do mês de Junho, em Guimarães, foi o único em que João Bénard da Costa, alterou essa "fórmula" que cita, tendo terminado o seu discurso nesse dia, dizendo: Senhor Presidente da República:muito obrigado por me te dado a palavra e muito obrigado por ma ter mantido ao longo destes oito anos.
Minhas Senhoras e Meus Senhores: muito obrigado por me terem escutado.
Assisti pela primeira vez ao vivo, a um discurso de João Bénard da Costa, no dia 10 de Junho de 2007, na cidade de Setúbal. Imagine António Barreto, fui eu que lhe guardei o discurso quando chegou, e lho entreguei quando se dirigiu ao palco (e não precisou de correr a prócura-lo) ;)

António Barreto disse...

Prezado Bartolomeu,
Tem toda a razão! Obrigado pela rectificação. O pior é que eu tinha lido essa passagem, explicada depois, no ano seguinte, com a continuação das funções. Li, mas... esqueci...
Um abraço
AB

www.angeloochoa.net disse...

Abracei-o em Tomar, onde, com Nestor de Sousa, (o do TEUC, lembra?) nos deu lição.