domingo, 1 de fevereiro de 2009

Ajudar quem

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CRISE ECONÓMICA. Crise financeira. Crescimento negativo. Recessão oficial. Crédito difícil. Falência de empresas. Bancos sem recursos. Apoio do Estado. Nacionalização de bancos em dificuldades. Apoios estatais extraordinários. Aumento do défice público. Obras públicas. Desemprego.
Estes são, há já várias semanas, os títulos das notícias. O desemprego parece ser a ameaça mais grave. Destrói a economia e a sociedade. Cria fenómenos individuais e familiares de enorme sofrimento. Deixa sequelas profundas nas pessoas e nas comunidades. Para além das mil e três receitas que os Estados e os economistas inventam, tantas delas sem destino nem viabilidade, os desempregados deveriam estar à cabeça de todas as preocupações. Não apenas por dó, conforto e solidariedade, mas também por outras razões. A paz social e a recuperação económica. E a dignidade humana.
Nestes períodos de dificuldade, perde-se rapidamente a cabeça com programas de salvação, quantas vezes a pensar mais nas eleições do que na sociedade. Há muito dinheiro dos contribuintes a circular, mas não se sabe bem aonde ele vai parar. Salvam-se bancos e empresas, talvez, mas perdem-se vidas e famílias, provavelmente. Recompensam-se criminosos, mas castigam-se vítimas. Confortam-se especuladores, mas ameaçam-se os que poupam. Fazem-se auto-estradas, mas não há quem nelas circule. Por entre planos sofisticados, ficam a ganhar os técnicos e os burocratas, mas perdem os desempregados e os pobres.
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A RIGIDEZ da burocracia e da legislação elimina hipóteses de intervenção com bons resultados para a sociedade, a economia e os necessitados. A megalomania das administrações e dos tecnocratas leva-os a produzir planos e programas que, no papel, gastam milhões e empregam milhares, mas que geralmente não respondem, ou respondem mal, às necessidades imediatas. Os desempregados que recebem para ficar em casa deveriam ter a oportunidade de fazer algo de útil para a sociedade e para a sua dignidade pessoal. Os reformados com possibilidade de colaborar deveriam ser organizados para prestar serviços úteis, solidários e até produtivos. Os subsídios concedidos a quem sabe movimentar-se agilmente na selva dos fundos deveriam ter, em tempos de crise, outra “filosofia” e estarem destinados directamente a quem precisa e a quem sabe dar-lhes um destino genuíno, não necessariamente as inaugurações preparadas para a televisão.
Deveria ser fácil e expedito encontrar soluções que travassem a caminhada inexorável para a falência e a perda definitiva de emprego. Reduzir a produção, encerrar as empresas alguns dias por semana e diminuir temporariamente os salários deveriam ser aceites por trabalhadores, sindicatos, patrões e Estado. Contratar “precários” em condições especiais deveria ser simples. Tudo isto, evidentemente, desde que os empresários fossem honestos, falassem com os trabalhadores e dessem o exemplo.
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A ADMINISTRAÇÃO deveria ter já organizado acções excepcionais que fizessem bem aos desempregados e aos pobres, mas que garantissem uma qualquer utilidade social. Áreas não faltam. Apoio aos lares de idosos, acompanhamento de velhos e doentes, cuidado de crianças em creche. Transporte e deslocação de pessoas carenciadas. Limpeza, reparação e manutenção do património. Classificação de arquivos e documentos. Protecção e vigilância das florestas. Tratamento e amparo dos “sem abrigo”. Reparação e calcetamento de ruas. Vigilância dos museus (parcialmente fechados por falta de verba...). Abertura de monumentos e bibliotecas até horas mais tardias. Obras locais nos jardins e parques. Acompanhamento de actividades desportivas juvenis. Transporte escolar. Apoio às actividades das organizações não governamentais e de solidariedade. O que não falta são necessidades.
Ontem, neste jornal, José Pacheco Pereira escreveu sobre estes problemas e evoca em particular a questão do desemprego e dos mecanismos do Estado providência que melhor conhecemos, os que integrariam o “modelo social europeu”. Sublinha em particular, com toda a razão, um enviesamento deste “modelo”: parece estar feito para proteger melhor os que já têm alguma segurança. O emprego precário, sem as protecções habituais da legislação excessivamente rígida, é combatido pelos sindicatos e por certos partidos, mas é visto por muitos desempregados como uma verdadeira salvação. Em períodos de crise como a actual, seriam úteis dispositivos de toda a espécie que permitissem que as actividades e os empregos a criar durante os períodos difíceis fossem abrangidos por novas regras. Os abusos podem ser muitos, mas é melhor corrigir depois do que deixar o vazio. O subsídio de desemprego deveria estar ligado a trabalho, mesmo que não seja emprego.
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QUANDO HÁ fundos à disposição dos pobres, dos desempregados, dos marginalizados e dos excluídos, assim como quando há recursos orientados para o desenvolvimento, as perguntas que logo surgem ao espírito são conhecidas. Será que esses recursos chegam realmente onde importa? As mulheres e os homens do campo, das fábricas e dos serviços receberão alguma parte dos benefícios existentes? As pequenas e médias empresas que geram emprego com mais flexibilidade e mais rapidez que os grandes conglomerados estão realmente no fim da linha dos fluxos de dinheiros? Os apoios aos pobres, aos desempregados e aos idosos alcançam efectivamente aqueles a que estão destinados? Essas ajudas são instrumentos de recuperação e de recomeço de vida ou, pelo contrário, reforçam a humilhação dos destituídos e dos desempregados?
Há muitos anos que se sabe que grande parte desses fundos fica pelo caminho. Trabalhos muito sérios das Nações Unidas, do Banco Mundial e da União Europeia mostram que, desde os anos setenta, grande parte da ajuda fica entre as mãos dos burocratas, dos políticos e de uma longa fileira de oportunistas que se colocam estrategicamente entre doadores e necessitados. Noutros casos, são os próprios agentes de desenvolvimento, nacionais ou estrangeiros, que retiram uma quota-parte considerável. Há ainda situações em que a ajuda de emergência, cheia de boas intenções, destrói agricultores, artesãos e empresas incapazes de competir com bens de caridade. É sempre assim: a pobreza de muitos aguça a esperteza de alguns.
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«Retrato da Semana» - «Público» de 1 de Fevereiro de 2009

10 comentários:

joshua disse...

Na minha situação de desemprego crónica e alternante sobretudo nos últimos quatro anos, posso testemunhar que os serviços da SS ou alguém neles, a pretexto de uma suposta reposição muito mal fundamentada, têm-me lesado, assim por alto, em mais de dois mil euros ao longo dos últimos dois anos.

Enviaram-me recentemente, depois de muito instados por mim, por e-mail, um pobre e peregrino documento em PDF onde se justificam, mas cheio de lacunas e de faltas de correspondência à verdade do que, mês após mês, me tem sido efectivamente atribuído e retirado: em vez de 410 euros, 271 com os quais tenho de fazer face a necessidades familiares, uma vez que tenho a minha esposa desempregada e, já que é imigrante, sem direito a subsídio, e duas filhas bebés.

Ou seja, a SS ou alguém de impune esperteza por dentro tem desviado o que me permitiria viver com dignidade mínima em vez de me fazer prisioneiro em casa, não gastando um cêntimo a mais em qualquer outra coisa senão bananas e iogurtes. Escusado será dizer que vivo com os meus velhos pais e tenho tecto graças a eles.

Em resumo, trabalho e não emprego, nos termos empregues por AB, é sempre bem-vindo, e há passos a dar no sentido de recuperar socialmente espíritos como o meu, o qual, confesso, com 39 anos, já viu dias melhores: o que eu tive de suportar às mãos de patrões sem escrúpulos, pagantes às tranches mínimas, devendo por tempos infinitos um ou dois meses de vencimentos, exploradores sornas das minhas horas extras, da minha força braçal, do meu cansaço brutal, ou então o desgaste por toda uma nova política e um novo espírito de condicionamento da liberdade e da criatividade na Educação, normativizando até a minha respiração, coroação de espinhos de uma burocracia inquisitorial nova, vista com bons olhos por uma opinião pública de tudo ignorante e em tudo embrutecida, burocracia torturadora com um olhar sistémico de soslaio ao professor, de desprezo para com a minha profissão de Professor, um dedo apontado para nós enquanto se desviam as atenções do esbulho de recursos que o Estado pratica e promove em quase todos os domínios descontroladamente, instilando a insegurança em muitos, em mim certamente o desânimo, as portas que se me fecharam, as crueldades que se perpetraram contra mim, a crispação em tudo e em todos, o desgosto e o desânimo como política praticada e como gato por lebre, esmagamento dos fracos para maximizar uma contenção de despesas que não se contém em opções reles, mentirosas, supérfluas, basta consultar o transparencia.gov para compreender que os cidadãos estão entregues aos bichos e são tratados sem respeito porque o escrutínio não existe nem o controlo directo sobre os supostos servidores eleitos.

Já me habituei ao estatuto e à situação de desempregado e tenho a minha alma encolhida nas expectativas e na esperança, dado o sórdido que observo. Já sofri o que tinha a sofrer enquanto trabalhador, professor, porteiro, lixeiro, engraxador, carpinteiro. O que mais quero é que os políticos que não têm competências cívicas nem humanas, mal preparados humanisticamente, ignorantes, superficiais e insensíveis, bons a vestir armani e a fazerem o seu número de feirante, sobretudo o Engenheiro José Sócrates, político profissional, deixem de me incomodar, me deixem em paz. Desapareçam dos ecrâs de TV, que colonizaram e desgastaram de nulo, do vício do anuncio perpétuo, que não é nada nem faz.

Só Deus sabe com que escárnio e com que horror encaro essa desprezível gente despreziva das pessoas concretas, amantes de índices, ensaiadores de políticas de abismo neo-liberais, aprendizes de feiticeiro, manipuladores em tremuras de TNT social. O meu cansaço e revolta são TOTAIS.

joshua disse...

Quanto às coisas nebulosas que me lesam na prestação de subsídio de desemprego promanantes da SS/IEFP ou de alguém neles alojado, o meu próximo passo é o Ministério Público com cabal fundamentação documental.

Não há vergonha.

Anónimo disse...

Demagogia populista nunca nos levou a parte alguma...

O dever de solidariedade só nos toca quando a catástrofe nos bate à porta. Está na hora.
Resta saber se os sacos dos cofres do Estado Providência têm fundo.

Anónimo disse...

Quem sobrevive espiritualmente alerta perante a sensação de inutilidade geradora do medo real de não suportar a rotina perante a incerteza.
A dura realidade de reinventar o conceito de trabalho, emprego serviço contrato paragem temporária falência.
Ter o direito a construir o futuro de sustentar os filhos de olhar para o País
Não gosto de vírgulas são paragens forçadas.
Não as encaixo no meu discurso penso e escrevo sem respirar enquanto conseguir.
Boa sorte para quem não cabe no sistema.
Sejamos marginais assumidos (sim não quero que me tomem por adepta deste sistema !
Porque é que em Portugal ainda não há ninguém na rua...
No silêncio dos gritos entre muros escondem-se os que deveriam usar a sua condição como estandarte da indignação.!!!!

Anónimo disse...

Num paìs onde quase todos pensam que nao devem nada aos outros, cumpre-me agradecer-lhe este texto, e a sua humanidade ao decidir escreve-lo.

Muito obrigado.

António Barreto disse...

Olá Silvia!
De regresso com a sua fotografia! Bem vinda! Assim já não é uma Silvia anónima!
Um abraço
AB

António Barreto disse...

Caro Joshua e outros correspondentes,
Por falta de espaço, no Público, encurtei o meu artigo para além das marcas! Ao reler, no dia seguinte, verifiquei que algo desaparecera definitivamente e fazia falta.
Da leitura do que está, pode depreender-se que acredito na função organizadora do Estado e da Administração central. Tal não é o meu pensamento. As estruturas rígidas da Administração e respectivas leis permitem talvez acudir em situações normais. Mas sempre sem humanidade. O Estado providência formal tem o grande mérito de reconhecer direitos sociais universais, o que é uma vantagem. Mas é cada vez mais incapaz de ajudar com flexibilidade e prontidão, sobretudo com humanidade. Por isso vejo com simpatia que o Estado entregue os recursos financeiros (se os tem, quando os tem...) a quem pode e sabe melhor acorrer e socorrer: ONG, ISS, associações, misericórdias, igrejas, escolas, até autarquias.

Anónimo disse...

Eu creio que em matéria de ajuda às pessoas em situações várias de dificuldade até temos diversas experiências de parcerias entre o Estado e as IPSS/ONG que poderão ser retomadas ou desenvolvidas. Houve e há acções inovadoras e inteligentes, que conseguiram muito com poucos recursos, por exemplo dos programas de luta contra a pobreza ou do voluntariado.
Creio que um problema nosso, nesta área (e noutras), é não dar continuidade às coisas. Com esta precariedade desperdiça-se muito trabalho, recursos e boas vontades. Fazem-se "projectos", ou "programas", para durar durante um curto período de tempo. Depois acaba o financiamento e tudo cessa, mesmo se se estavam a obter resultados positivos e as necessidades persistiam. Nem dá tempo para consolidar a experiência adquirida, para a transmitir a outros, para avaliar seriamente os resultados.
Às vezes, uns anos mais tarde, outros recomeçam tudo do princípio. E a história repete-se...

Anónimo disse...

Olá, AB!

...nunca tive jeito para anónima, mas vou pensar nisso. Talvez o meu verbo fique mais fácil.

Um abraço

SC

Bmonteiro disse...

«A ADMINISTRAÇÃO deveria ter já organizado acções excepcionais que ... O que não falta são necessidades»
Num país com liderança, dirigido por um Líder, aqui poderia estar um modelo de actuação/acção.
E se com necessidades de direcção ou coordenação, se necessário, com quadros militares disponíveis, que são presentemente numerosos.
Ou não está ou poderá vir a estar em causa a segurança nacional?
BMonteiro