domingo, 14 de dezembro de 2008

Um encontro. E desencontros.

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TERÇA-FEIRA, 9 de Dezembro. Em Fátima, a Conferência Episcopal toma uma iniciativa inédita: D. Jorge Ortiga recebe os representantes da Plataforma dos professores, encontrando-se estes em pleno processo de luta. Não há comunicados oficiais. Mas há declarações mais ou menos informais. O Bispo presidente garante, diante de câmaras de televisão, que a Igreja está muito preocupada com os professores, as escolas, os pais e os alunos. Sugere a realização de um “pacto social” sobre as questões educativas. E recomenda ao governo que “ouça” os professores. Jornais, televisões e observadores prestam a menor atenção possível ao facto. Toda a gente, a começar pelas autoridades, prefere ignorar o gesto. Mas trata-se simplesmente de um dos factos mais importantes da vida política destes últimos anos.
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QUARTA-FEIRA, 10 de Dezembro. Em declarações justas e severas, o Presidente da Assembleia da República, Jaime Gama, apela aos grupos parlamentares para encontrarem vias de criar alguma disciplina, de impedir que os deputados faltem às sessões e que cumpram os seus deveres. O PS não gostou e alguns dos seus deputados reagiram mal.
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QUINTA-FEIRA, 11 de Dezembro. Chegou o grande dia. Finalmente, Ministério da Educação e professores encontram-se para discutir tudo. Já se sabia, desde uns dias antes, que a convocatória e as ordens de trabalhos era uma soma de equívocos. Ambos disseram, uma vez, que estava tudo em cima da mesa. Ambos acrescentaram, outra vez, que certos tópicos não se poderiam discutir. Debater a hipótese da suspensão da avaliação era, para os professores, essencial. Tal discussão era, para o ministério, inútil, dado que a suspensão estava totalmente fora de questão. Os professores deixaram uma proposta de sistema de auto-avaliação que nada resolve. A ministra recusou as reivindicações de suspensão feitas pelos professores. Os participantes na reunião separaram-se azedamente, duas ou três horas depois. Fizeram bem em falar. Fizeram mal em não ter encontrado sequer umas pedras para pôr os pés e fazer um pouco de caminho. Nova reunião foi marcada para a próxima semana, desta vez para discutir o estatuto da carreira docente. A ministra garante que, para o ano, está disponível para tudo ver e rever, incluindo o sistema de avaliação e a hierarquia profissional dos professores. Para já, estranhamente, insiste na aplicação do seu sistema. Mas já chegámos a uma conclusão amarga: as propostas dos sindicatos são tão absurdas quanto as da ministra. Com um denominador comum: ambos estão empenhados em impedir que as escolas e os directores assumam as suas responsabilidades. Enquanto não se evitar a tenaz, ministério contra sindicatos a lutar por uma sistema centralizado e integrado, limitar-se-ão a adiar o problema. A tentar afogar o peixe.
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SEXTA-FEIRA, 12 de Dezembro. É dia grande na cidade de Lisboa. Luzidia comitiva, com ministro e presidente da Câmara, desloca-se, para um momento mágico, a uma das praças mais bonitas do mundo. Finalmente, doze anos após o início das obras, que deveriam ter durado três, e depois de dezenas de milhões de euros de desvios, o Terreiro do Paço parece recuperar a sua vistosa figura. O Cais das Colunas é reaberto e inaugurado. Em maré de glória, o ministro diz que não lhe interessa perder tempo a apurar quem são os responsáveis pelos atrasos. O importante é o momento e a beleza do gesto. O Cais é devolvido ao povo de Lisboa. Mas, logo a seguir, o anúncio é feito: só por quinze dias. Após o Ano Novo, o Terreiro do Paço fecha, em grande parte, para novas obras de saneamento que vão durar, espera-se, mais de um ano. Entretanto, o Estado português terá de devolver à União Europeia cerca de 80 milhões de euros indevidamente recebidos, pois não respeitou as regras internacionais nas obras da linha de metro de Santa Apolónia ao Terreiro do Paço. Esta praça é bem uma metáfora do estado do país.
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SEXTA-FEIRA, 12 de Dezembro. Uma semana depois da sessão memorável da Assembleia da República, à qual faltaram umas dezenas de deputados, a reunião da comissão do orçamento, marcada para as nove e trinta, foi adiada. A razão foi a da falta de quórum. Isto é, não havia nove deputados, os necessários para atingir a fasquia legal. Os socialistas que, sozinhos, poderiam garantir o quórum, não estavam em número suficiente. Dos outros partidos, alguns estariam por ali, mas não chegava.
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Esta é seguramente a mais importante de todas as comissões parlamentares.
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O Parlamento português já não surpreende. Ninguém espera absolutamente nada daquela casa. Serve para completar a maquinaria democrática, mas foi rebaixado a um papel secundário. Qualquer câmara de televisão é mais importante do que aquela instituição. Aliás, os que ainda se dedicam a fazer discursos ou aparecer no hemiciclo fazem-no apenas com a televisão no espírito. Já se viram ministros e deputados a falar olhando para as câmaras, nem sequer para os seus pares. O tom geral dos debates, pelo tom e pelos berros, mais parece o de uma lota de peixe. Raros são os deputados que falam normalmente e expõem os seus pontos de vista com argumentos racionais. Mais raros ainda são os que mostram sinais exteriores de pensarem quando falam.
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Começam a surgir ideias e propostas para punir os deputados faltosos. Marquem-se faltas, dizem uns. Reduza-se o vencimento. Excluam-se os faltosos das listas nas próximas eleições. Publiquem-se regularmente os nomes dos que faltam. A verdade é que estas sugestões equivalem a colocar gesso numa perna de pau. Sem funções reais, sem independência, sem responsabilidades individuais, sem mandato pessoal e sem necessidade de prestar contas directamente aos eleitores, os deputados serão sempre o que são, apêndices estatísticos. Este Parlamento não é uma metáfora: é o retrato exacto e verdadeiro da democracia que temos.
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« Retrato da Semana» - «Público» de 14 de Dezembro de 2008

6 comentários:

Teófilo M. disse...

Caro António Barreto, permita-me esta informalidade, pois a diferença de idades é pequena, e você de vez em quando aparece-me em casa e eu tenho sempre um imenso prazer em recebê-lo mesmo que separados pelo écran da tv, ou pelo suporte do jornal.

Diz, e muito bem, que a Igreja, ou melhor, a Conferência Episcopal, recebeu os representantes da Plataforma Sindical dos Professores, e enviou recados ao governo, o que é um facto importante e digno de nota, mas não percebi se estaria de acordo com tal procedimento ou não?

Eu não estou, pois a Conferência Episcopal tem o direito de receber quem lhe apetecer e tomar partido por quem entender, mas seria bom saber se os padres não são avaliados, ou se nas escolas controladas pela Igreja não existe avaliação, nem hierarquias, poi assim seria muito mais fácil sabermos o que é que a Conferência quis dizer, a não ser que fosse mais uma pressãozita, uma vez que ainda anda a negociar com o governo as áreas de intervenção nos hospitais.

Quanto aos parlamentares, não valerá a pena acusar A ou B, ou ainda punir o Parlamento, pois essa casa que deveria ser o cimbre que suporta a construcção do País, mais parece uma amálgama instável permanentemente em ebulição mas que, infelizmente, se preocupa mais com os detalhes do que com as fundações.

Trabalha-se para o espectáculo, para o imediato, para o circo em que este País se tornou com os habituais malabaristas, os muitos contorcionastas, os habituais palhaços, os ilusionistas e magos de serviço, e o director de pista que tenta que o espectáculo decorra normalmente, sempre com um olho nos bastidores não vá aparecer uma surpresa que estrague a festa,

Há também a parte teatral, entregue a mui hábeis encenadores, que trazem para o palco actores que vão representando a seu bel-prazer tragédias, comédias e de vez em quando um ou outro espectáculo digno de nota, mas quer uns quer outros, sempre com os custos habituais pagos sempre pelos mesmos...

Nós! Os espectadores do circo e das diferentes peças de teatro, que não ligam muito às críticas, mas que se deixam guiar pelos grandes anúncios e opiniões de alguns opinadores que cheiram que tresandam a treinadores de bancada mais que revelhos.

O cais das colunas, é apenas mais um pormenor, onde este País gasta rios de dinheiro - gostaria de saber porque tanto - em obras que, sendo necessárias, não são urgentes, por muito que isto custe aos seus afeiçoados.

Mas também não teremos todos nós um bocado de culpa neste estado de coisas?

Você afastou-se por estar farto da fantochada, eu afastei-me porque não queria pertencer ao grupo dos domesticados, mas teríamos feito bem?

Claro, que ainda estrebuchamos, você muito mais do que eu, e é lido com muito mais atenção porque a isso tem direito quer pelo saber acumulado, quer pela qualidade com que explana as suas ideias, quer ainda por ter tido mais responsabilidades políticas, mas que poderemos mais fazer?

Anónimo disse...

Caro AB,
Se não fosse a tenaz napoleónica do ministério da Maria de Lurdes, a escola pública bem que poderia recorrer aos serviços do ministério de Maria de Fátima, ou mesmo da bruxa da rua direita da aldeia, para sobreviver aos mandos e desmandos daqueles que se consideram os donos legítimos dela.

Anónimo disse...

A bandalheira é total, /
destes deputados manhosos, /
isto é o pior de Portugal /
com estes políticos vergonhosos.

O povo tem de limpar, /
com uma força vigorosa, /
se de uma forma ordeira lutar, /
contra esta democracia indecorosa.

Anónimo disse...

Afinal, segundo D. José Policarpo, ontem no Prós e Contras da RTP1, a iniciativa do encontro foi da Plataforma sindical dos professores e D.Jorge Ortiga limitou-se a recebe-la em representação de si próprio e não da Conferência Episcopal. O Patriarca de Lisboa confessou que tomou conhecimento do referido encontro através da comunicação social...
Isto faz toda a diferença.

António Barreto disse...

Prezado Teófilo M.,
Sinceramente, não estou de acordo, nem deixo de estar. A Igreja tem todo o direito de tomar as posições que entenda, sobre quaisquer assuntos, incluindo temporais e políticos. Gosto é que o faça às claras. Neste caso da Plataforma e dos sindicatos de professores, o importante é o peso político que pode ter tal facto. Parece que não foi a Conferência Episcopal, mas sim D. Ortiga. Também parece que não foi ele que sugeriu, mas sim os professores que pediram. Esses pormenores não têm muita importância. Na verdade, o Bispo podia não ter recebido e podia não ter falado para a televisão. Ou podia ter recdebido e exigido que as coisas ficassem reservadas. (Este meu comentário também tem a Silvia como destinatária). Não sou crente, mas é para mim impensável que a Igreja não se exprima sobre assuntos da vida colectiva. Ela tem os seus interesses a defender, sejam eles espirituais, sejam materiais. Uma vez mais, o que peço é que o faça às claras.
Neste caso, sublinhei o que me pareceu ser um acontecimento, pois a Igreja é muito parcimoniosa nas suas aparições públicas a falar sobre temas com conotação política. Fazê-lo agora tinha esse significado especial. Como a Igreja tem de albergar várias ideias políticas e tem de conviver com vários governos e partidos, toma precauções. Daí a sua discrição.

Mário Zagalo disse...

Caro António Barreto

Lembro-me de si a tomar o café servido pelo saudoso Sr. António no "Luanda", lendo ou cavaqueando. Julgo que terei a idade do seu irmão Manuel, logo a distância etária que nos separa, terá ditado à altura o nosso desencontro. Como sou uma pessoa que preza os afectos (que julgo não estarem na ordem do dia), confesso que senti contentamento quando assumiu um cargo ministerial. Enfim tratava-se de alguém que fazia parte da comunidade onde eu vivi durante a minha adolescência. Mas nem só de afectos vivemos, a eles se acrescenta a razão, a qual educada, nos poderá levar ao Pensamento; embora tal instrumento de Liberdade esteja, actualmente, a sofrer danos que se reflectirão por muito tempo. Perdoar-me-ão os leitores deste blog e você próprio o carácter intimista desta introdução.
O meu comentário centra-se na resposta que enviou a Teófilo M. e a Sílvia. Agrada-me que compreenda a forma de funcionar da Igreja, sobretudo afirmando-se descrente. Tal atitude mostra uma grandeza de espírito ou alma (numa perspectiva cristã), reconhece-se desta feita a sua capacidade de pensar e discernir livremente ( não tem nada a ver com a displicência de convicções que o eng.º Sócrates apresentou aos empresários como a melhor forma de enfrentar a crise!).
Concordo, claro está, que o episódio referido teve uma importância fora do comum. Seguindo a sua lógica interpretativa, justa, da forma de funcionamento da Igreja eu acrescentaria o seguinte - a Igreja entende-se a si própria como um todo colectivo em comunhão de tudo (parece algo pleonástico, mas é mesmo assim que acontece), o que torna possível aos seus elementos leigos uma acção complementar em co-relação com os seus representantes visíveis. Assim não me admiraria nada que um grupo de leigos possa ter assumido a criação de tal momento.
Limitar-se-iam a cumprir de forma inteligente aquilo que o seu discernimento tão bem verificou.
Sob os pontos de vista sociológico e político, parece-me ser um acontecimento com bastante relevância. Em minha opinião terá funcionado como um ensaio de algo que poderá vir a ter muito peso. Faz-me isto lembrar outros períodos históricos, nomeadamente aquele que precedeu o violento derrube do governo de Salvador Allende. É certo que as circunstâncias actuais são diferentes, contudo existe algo que é transversal na História - o desejo natural de Liberdade - o que também é verdade para os Cristãos, tema que Agostinho de Hipona sobejamente desenvolve no "Livre Arbítrio".
O seu Ministério já vai longe, contudo, continua a prestar um serviço público através das suas intervenções escritas e faladas.
Obrigado!