Gostaria de escrever sobre o próximo Presidente. No entanto, poderia alguém concluir que o “Retrato Robot” se parecia com um dos candidatos. Ora, a lei portuguesa proíbe que, neste dia, se escreva de modo a que o verbo possa ser interpretado como apoio a um candidato. Por outras palavras, é proibido escrever ou falar sobre o único assunto de que toda a gente fala! É uma lei estúpida, mas faz parte do nosso Calvário democrático: até as leis estúpidas devem ser obedecidas. Eis por que me parece sem risco dizer o que essa pessoa (evito cuidadosamente o sexo…) deverá fazer depois de tomar posse.
É verdade que o cargo se extingue gradualmente: todos os presidentes ajudaram nesse sentido. Talvez, dentro de uns anos, deixe de haver um presidente eleito directamente pelo povo. Até esse dia, no entanto, é possível desempenhar a função com alguma utilidade.
Respeite escrupulosamente a Constituição. A melhor maneira de o fazer consiste em enviar para o Tribunal Constitucional uma grande quantidade de diplomas do Parlamento e do Governo. A constitucionalidade das leis não é uma questão de opinião, mas sim de direito. Se o Tribunal diz que sim, é sim. Se diz que não, é não. Se o respeito pela Constituição for simplesmente a sua interpretação, já sabe: terá metade do país à perna!
Ajude o seu povo a reflectir sobre a revisão da Constituição. Se jurou respeitá-la, não jurou deixar de pensar. Pode perfeitamente solicitar pareceres e trabalhos, organizar seminários, grupos de estudo, debates e reflexões sobre o futuro da Constituição. Devemos deixá-la como está? Rever? Renovar profundamente? Tentar fazer uma nova? Ninguém está em Portugal proibido de o fazer. O Presidente também não. Toda a gente pode ajudar a reflectir. O Presidente mais do que qualquer um. É um favor que o Presidente fará ao país e aos partidos. Mas é também o seu dever. O Presidente da República não é um cargo paralítico, muito menos uma múmia.
Use o mais abundantemente possível os meios legais de que dispõe para falar com os órgãos de soberania: o Governo, o Parlamento e os Tribunais. Dirija-se com frequência ao Parlamento, escrevendo-lhe mensagens. Fale com o Primeiro-ministro e os ministros. Mas faça-o sempre pensando que, salvo em casos muito especiais, deve ter o povo como testemunha. Ou diga ao povo o que diz ao governo. Não deixe que os encontros das quintas-feiras, com espessa alcatifa e reposteiro corrido, sejam um segredo de Estado com o qual todos têm a perder: o Presidente, o Primeiro-ministro e os Portugueses.
Como Comandante Supremo das Forças Armadas, pode e deve promover uma reflexão séria, seguida de debate animado, sobre as Forças Armadas portuguesas, suas funções futuras, seu desenvolvimento e seus deveres. No que deve incluir uma nova reflexão sobre o serviço cívico ou militar. As Forças Armadas portuguesas estão ameaçadas de ter de viver um período terrível de falta de meios, de orientação, de vocação e de espírito. O próximo Presidente da República não pode esquecer. Nem fingir que não percebe.
A Justiça deveria ser a sua maior preocupação. É o que há de mais frágil na colectividade. E o que mais ameaça os direitos dos cidadãos. Com uma boa justiça, teríamos mais liberdade, melhor administração, menos corrupção, economia mais saudável, instituições mais respeitáveis e política mais decente. Todos os Presidentes anteriores falaram muito de Justiça, nenhum fez nada que se visse. O Presidente tem poderes e meios directos, assim como indirectos, políticos e de influência, para melhorar a Justiça portuguesa. Só não o faz se não quiser ou se tiver medo.
Não dê posse a um governo minoritário. Exija um programa e um governo aprovados no Parlamento. A este propósito, a Constituição é cega, surda e muda: não permite, não prevê e não proíbe. Bem sei que não afirmou isso durante a campanha (ninguém o disse, aliás), mas é perfeitamente aceitável que o Presidente exija uma maioria. Nem que tenha de convocar novas eleições.
Qualquer político que chega ao topo da carreira, tem um sonho: ser internacional. Arranjar que fazer, ser conhecido e ter importância na Europa e no mundo. Esse é o capítulo das vaidades. Acontece que Portugal tem sido, nas últimas décadas, uma figura de corpo presente. Ou nem sequer. Ora, seria interessante que o país tivesse um qualquer papel internacional a fim de melhor exprimir os seus interesses. Sozinho, não conseguirá nada. Com outros, talvez. Uma iniciativa europeia, bem pensada, seria uma maneira de evitar que tivéssemos depois de sofrer as iniciativas dos outros.
Finalmente, não se deixe dominar pelos seus receios. Não permita que os seus serviços, conselheiros, consultores e amigos lhe digam que a sua protecção é a principal preocupação, a prioridade maior e a sua primeira obsessão. Para proteger os cidadãos, o Presidente da República tem de correr riscos. Não cuide de si, cuide do seu povo!
DN, 24 de Janeiro de 2016
1 comentário:
Não entendi bem o que quer dizer com governo minoritário: se se refere a situações como a actual, ou à que existiria se fosse Passos Coelho a formar governo. Concordo que é inédito o que vivemos e é estranho haver um primeiro ministro que não vem do partido mais votado. Admito que a direita está recalcitrante e pronta para o pontapé.
Lembro só que, como bem disse, não é anti constitucional. Nem anti democrático, digo eu (será omissão ou abertura da constituição?), que é uma possibilidade não experimentada e por isso tem a esperança do povo, desse povo de que fala e pouco é visto ou vê para além do trabalho que realiza e sustenta o país, ou dos pagamentos que é obrigado a fazer para saldar dívidas de maus políticos, maus gestores económicos e maus banqueiros, cujos, em Portugal, nunca são obrigados a limpar o lixo que fazem ou reparam danos causados.
Permito-me ainda recordar-lhe que a direita portuguesa - com suas honrosas excepções advindas da humanidade pessoal muito mais que da bandeira política - sempre castigou o povo e se levantou às suas cavalitas. Parece-me pois natural que o burro de carga tenha esperança na solução que põe de lado quem mais o vergou.
Pode dar mal. Com tanto mau augúrio e hostilidade do lado português, europeu e mundial, a sobrevivência deste governo é milagrosa. Congregar vontades a bem dos interesses do país e do povo parece-me até, na maioria das vezes, tarefa impossível. Há uma iliteracia política nos deputados da assembleia e nos partidos políticos - contaminados ambos pela voracidade da economia - que asfixia o povo e reduz cada vez mais a não importância do país entre os pares e o aumento da pobreza nacional (palpável e não palpável, que a miséria intelectual também cresce). Subsiste nos políticos e decisores, uma herança imperial e certa visão solipsista do poder que perturbam valores humanistas.
Sim, pode dar mal. Mas não se pode matar a esperança de um povo. Há que experimentar. E só a tentativa de cercear a esperança é ofensiva.
Quanto ao PR, logo veremos.
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